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Editados por HARLEQUIN IBÉRICA, S.A.

Núñez de Balboa, 56

28001 Madrid

 

© 2012 Sharon Kendrick. Todos os direitos reservados.

BELEZA MANCHADA, N.º 1455 - Abril 2013

Título original: A Tainted Beauty

Publicado originalmente por Mills & Boon®, Ltd., Londres.

Publicado em português em 2013.

 

Todos os direitos, incluindo os de reprodução total ou parcial, são reservados. Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Enterprises II BV.

Todas as personagens deste livro são fictícias. Qualquer semelhança com alguma pessoa, viva ou morta, é pura coincidência.

™ ®, Harlequin, logotipo Harlequin e Sabrina são marcas registadas por Harlequin Books S.A.

® e ™ São marcas registadas pela Harlequin Enterprises Limited e suas filiais, utilizadas com licença. As marcas que têm ® estão registadas na Oficina Española de Patentes y Marcas e noutros países.

 

I.S.B.N.: 978-84-687-2923-7

Editor responsável: Luis Pugni

 

Conversão ebook: MT Color & Diseño

www.mtcolor.es

Capítulo 1

 

Alguém a observava.

Sentia um arrepio na nuca e isso era um sinal. Levantou a cabeça da massa que estava a preparar e semicerrou os olhos para olhar para fora, e viu a figura imponente de um homem no outro lado do seu jardim.

Parecia uma estátua. Só o cabelo escuro parecia mexer-se, despenteado pela brisa suave que entrava também pela porta aberta da cozinha. Inconscientemente emoldurado por uma das suas roseiras, parecia uma mancha escura e indelével na paisagem e o coração de Lily disparou ao ver que se punha a andar para a casa.

Por um instante, perguntou-se porque não estava assustada. Porque não estava a gritar e à procura de um telefone para ligar à polícia e dizer que um estranho tinha entrado na sua propriedade. Talvez porque a presença dele a tinha distraído dos pensamentos inquietantes que ocupavam a sua mente. Ou talvez porque havia alguma coisa muito estranha naquele homem. Era como se tivesse todo o direito de estar ali. Como se aquele dia de verão tivesse estado à espera da chegada dele.

Lily observou com um certo prazer culpado como as coxas dele se mexiam dentro das calças cinzentas enquanto o homem atravessava o seu jardim perfeito. A brisa apertava-lhe a camisa branca contra o corpo, definindo um peito forte. «Poesia em movimento», pensou. Poderia passar todo o dia a observá-lo.

Aproximou-se mais e Lily pôde ver-lhe a sensualidade desavergonhada do rosto. As pestanas grossas emolduravam uns olhos escuros que brilhavam de forma perigosa. O queixo forte coberto por uma barba viril de dois dias. E uns lábios que Lily não demorou a imaginar pousados nos seus. O coração acelerou-lhe ao vê-lo a parar diante da porta aberta e quase se sentiu enjoada. Há quanto tempo não sentia desejo por um homem? Como podia ter esquecido como podia ser potente?

– Posso ajudá-lo? – perguntou-lhe. Depois, apercebeu-se de como as suas palavras tinham sido pacíficas e, fulminando-o com o olhar, acrescentou: – Deu-me um susto de morte ao aproximar-se tão sigilosamente.

– Não sabia que me tinha aproximado sigilosamente – respondeu ele, olhando-a de forma zombadora, – mas parece-me muito capaz de se defender de qualquer intruso.

Lily apercebeu-se de que o homem estava a olhar-lhe para a mão, que agarrava o rolo da massa como se fosse uma arma de defesa pessoal. Humedeceu os lábios com a língua.

– Só estava a cozinhar.

– A sério? – perguntou Ciro, divertido, olhando para a mesa coberta de farinha atrás dela.

Viu a taça cheia de fruta e de açúcar, e, de repente, todos os seus sentidos ficaram alerta. O cheiro a confeitaria caseira fê-lo pensar num mundo que quase não conhecia. Um mundo de domesticidade cómoda. E o coração disparou-lhe, mas, com a sua dureza habitual, afastou os pensamentos incómodos e olhou para a confeiteira.

Era a mulher mais antiquada que vira em toda a sua vida. Uma mulher como já não havia. Uma mistura tentadora de curvas e sombras sedutoras de avental. E Ciro não recordava a última vez que vira uma mulher de avental. A não ser que contasse com o fato de criada francesa com que a sua última amante o tinha surpreendido quando suspeitara que estava a fartar-se dela, o que era verdade. Aquele avental tinha servido para realçar a nudez, mas este era uma versão muito mais inocente. Um modelo deliberadamente antiquado, de algodão e com folhos, justo à cintura mais estreita que vira em toda a sua vida.

Algumas pessoas achavam que olhar fixamente era falta de educação, mas não era um insulto não olhar para uma mulher tão bela? Observou o seu cabelo espesso, da cor do trigo maduro, que apanhara com muitos ganchos. Tinha a pele ruborizada e surpreendeu-o que um pescoço tão esbelto conseguisse suportar o peso de tanto cabelo. Perguntou-se se a mulher seria consciente de que era a imagem perfeita da domesticidade e não soube o que significava que aquela imagem lhe parecesse tão inesperadamente sensual.

– Então, não vai convidar-me a entrar? – perguntou-lhe.

A presunção da sua pergunta fez com que Lily começasse a andar. Porque estava ali parada como uma estátua enquanto aquele homem a olhava como se fosse um carro que queria comprar? Não era essa a razão pela qual os homens pensavam que podiam conseguir tudo com o seu comportamento arrogante, porque mulheres como ela o permitiam? Por acaso, não tinha aprendido nada com o seu passado?

– Não, não vou convidá-lo a entrar. Pode ser um assassino.

– Garanto-lhe que a última coisa em que estou a pensar é em matá-la – respondeu ele. Olhou-a nos olhos e Lily sentiu-se aturdida. – E você não me parece nada assustada – acrescentou, com voz melosa.

Ela sentiu um nó na garganta. Era verdade que não estava precisamente assustada. Pelo menos, no sentido convencional da palavra, mas havia algo nele que fazia com que o coração lhe pulsasse a toda a velocidade. E o suor das mãos ia estragar-lhe a massa se não tivesse cuidado.

– Não sei se sabe que o normal quando se chega sem avisar a uma cozinha alheia é apresentar-se – respondeu-lhe ela.

Ele conteve um sorriso, pois estava habituado a que as mulheres se sentissem intimidadas pela sua presença mesmo que não soubessem quem era. Salvo, pelos vistos, aquela. Intrigado pela novidade, inclinou a cabeça e disse:

– O meu nome é Ciro D’Angelo.

Ela olhou-o fixamente e comentou:

– Que nome tão peculiar...

– Eu sou um homem peculiar.

Lily fez um esforço para ignorar aquela fanfarronada, sobretudo porque suspeitava que fosse verdade.

– E é italiano?

– Na verdade, sou napolitano – respondeu ele, encolhendo os ombros. – Não é a mesma coisa.

– Porquê?

– Demoraria muito tempo a explicar-lho, dolcezza.

A Lily acelerou-lhe ainda mais o coração ao ouvir como dizia aquela palavra que não sabia o que significava. Queria que lhe explicasse a diferença entre ser napolitano e italiano, mas teve a sensação de que isso a poria numa situação ainda mais complicada. Portanto, olhou para o relógio de parede e disse-lhe:

– Tempo de que não disponho. E continuo sem saber o que está a fazer aqui, senhor D’Angelo. Não sei se sabe que está numa propriedade privada.

Ciro inclinou a cabeça com satisfação. Aquilo significava que a notícia da sua nova aquisição ainda não se tornara pública. Isso era bom. Odiava publicidade, mas odiava sobretudo que os seus negócios se tornassem públicos antes de estarem fechados.

Perguntou-se quem era ela. A mulher que lhe vendera aquela casa era de meia-idade. Fez um esforço para recordar um nome. Scott, sim, Suzy Scott. Uma mulher que se vestia de forma inapropriada para a idade, demasiado maquilhada e com uma maneira de olhar para os homens que só podia qualificar como faminta. Franziu o sobrolho. Aquela deusa doméstica poderia ser a sua filha? Que idade podia ter? Vinte e um anos? Vinte e dois? Com uma pele tão clara e suave, era difícil de saber, mas, se fosse a filha da proprietária, deveria saber que a casa ia mudar de proprietário. Que ia ser dele, para ser mais preciso.

A mulher continuava a olhá-lo com cautela e Ciro viu que lhe tinha escapado uma madeixa de cabelo e que lhe caía sobre a face. Talvez fosse melhor dar meia volta e voltar noutra altura, mas, de repente, apercebeu-se de que não queria partir. Sentiu-se imerso num mundo quente tão diferente do dele que sentiu curiosidade de saber mais, de descobrir os defeitos inevitáveis para poder partir dali com o seu cinismo intacto.

Encolheu os ombros.

– Pensei que não estivesse ninguém em casa.

– Quer dizer que pensava que a casa estaria vazia? – perguntou ela, dando-se conta de que a massa se estragaria se continuasse a descuidá-la e batendo-a mais um pouco antes de a colocar na forma. – O que é você... Um ladrão?

– Tenho ar de ladrão?

Lily levantou o olhar da massa e pensou que não. Duvidava que um ladrão comum fosse capaz de exibir semelhante segurança, embora parecesse suficientemente ágil para cumprir as exigências físicas do trabalho. E foi-lhe muito fácil imaginá-lo vestido de licra preta.

– Não está precisamente vestido como um ladrão. Suponho que estragasse esse fato caro se tentasse subir pela fachada da casa – comentou, com tom sarcástico. – E caso pensasse subir pela fachada desta casa em particular, dir-lhe-ei que pode poupar o esforço. Não vai encontrar nada de valor.

Lily começou a pincelar a massa com o ovo batido, pensando que deveria sentir-se vulnerável depois de ter dito aquilo a um desconhecido, mas já se sentia vulnerável há muito tempo e o comportamento estranho da sua madrasta não estava a ajudar nada. Suzy nunca fora uma mulher fácil, mas ultimamente tinha decidido levar todos os objetos valiosos dali para a casa de Londres. Lily sabia que tinha o direito de o fazer. Podia fazer o que quisesse, pois tinha herdado tudo o que era do seu pai. Todo o dinheiro e também aquela bonita casa, A Quinta.

Ela continuava muito magoada. A morte do seu pai, nove meses antes, a seguir a celebrar o segundo aniversário de casamento, fora tão repentina e inesperada que Lily continuava sem poder acreditar. Enquanto lidava com a sua própria dor e tentava reconfortar o seu irmão mais novo, tinha tentado convencer-se de que certamente o seu pai pensara em mudar o testamento. Nenhum pai quereria que os dois filhos ficassem sem nenhum apoio financeiro, não era? Mas a verdade era que não tinha chegado a fazê-lo e todas as propriedades tinham ido parar às mãos da jovem esposa dele, que parecia encarar o estado de viuvez estranhamente bem.

Suzy levara para a casa de Londres até o colar de pérolas que tinha pertencido à mãe de Lily, que lhe tinha prometido que um dia seria dela e o qual provavelmente jamais voltaria a ver. Seria esse o motivo pelo qual a sua madrasta levara tudo dali? Pensaria que Lily podia roubá-la? O pior era que isso teria resolvido alguns dos seus problemas, já que poderia dar ao seu irmão a segurança que merecia.

Ciro apercebeu-se de que lhe tinha tremido a voz e perguntou-se qual seria a causa, mas a sua atenção viu-se distraída quando a viu a inclinar-se para colocar o bolo no forno e os seus olhos cravaram-se na curva sedutora do rabo. As pernas pareciam muito suaves e o vestido curto de algodão colara-se às coxas.

– Não, não sou um ladrão e não procuro nada de valor – comentou, com naturalidade.

Lily virou-se e apercebeu-se de que tinha o olhar cravado no seu rabo, e, embora soubesse que não era correto, gostou que um homem tão bonito a olhasse com tanto interesse. Era agradável sentir-se desejada, em vez de se sentir invisível, a lutar contra os seus medos do futuro.

– Então, o que está a fazer aqui?

– Por alguma razão estranha, apagou-se-me da memória – respondeu ele. – Não me lembro.

Olharam-se nos olhos e Lily não necessitou que lhe acelerasse o coração para saber que estavam a namoriscar. Há muito tempo que não o fazia e pareceu-lhe perigoso. Porque a sensualidade que aquele homem emanava lhe trazia muitas lembranças e nenhuma boa. Lembranças de desconfianças, de desenganos amorosos e de almofadas molhadas de lágrimas.

– Pois, tente lembrar-se – replicou-lhe. – Antes que perca a pouca paciência que me resta.

Ciro perguntou-se o que dizer-lhe, pois não era ele quem devia dar-lhe a notícia de que era o novo dono da casa, mas, se trabalhasse ali, talvez pudesse contratá-la.

– Estava à procura de uma casa para comprar – começou.

Lily olhou para ele, confusa.

– Pois, esta não está à venda.

Ciro sentiu-se momentaneamente culpado.

– Estou a ver – acrescentou, – mas estava a dar uma volta pela zona e encontra-se sempre as coisas melhores quando não se tem pressa. Vemos um caminho que nos chama a atenção pela sua beleza e perguntamo-nos onde levará.

– Está a dizer que passeia por propriedades alheias quando pensa que estão vazias? Eu sabia que não tramava nada de bom...

Mas Ciro não estava a ouvi-la. Só conseguia pensar em tirar-lhe os ganchos do cabelo para o ver solto sobre os seus ombros, em agarrá-la pelas ancas generosas e afundar os lábios no seu pescoço.

Disse a si mesmo que devia partir e não voltar enquanto não tivesse as chaves da casa, mas a cozinha era tão caseira e aquela mulher tinha um corpo tão à antiga, que sentiu uma espécie de nostalgia que aumentou o desejo que sentia por ela. De repente, imaginou-a nua. Se a tivesse conhecido numa festa, talvez naquele momento estivesse a realizar aquela fantasia, mas era a primeira vez que conhecia uma mulher numa cozinha.

– Ao que cheira? – perguntou-lhe.

– Refere-se ao que preparei?

– Sim, não me deixou aproximar o suficiente para sentir o seu perfume – respondeu.

Lily engoliu em seco, ardia-lhe a pele pelos nervos e pela excitação.

– Na verdade, há vários aromas a competir pela sua atenção – respondeu. – Tenho sopa ao lume.

– Sopa caseira?

– Bom, evidentemente não é de lata, nem de pacote – disse-lhe ela, estremecendo. – É de espinafres e lentilhas, com um toque de coentros. O melhor é comê-la com natas frescas e pão quente.

– Parece delicioso – comentou Ciro, com naturalidade.

– É delicioso. E isto – continuou Lily, assinalando uma mistura de aspeto pegajoso que estava numa prateleira – é a típica tarte de limão.

– Oh... – comentou ele, em voz baixa.

Lily tentou encontrar no seu rosto algum sinal de sarcasmo, mas a sua expressão quase melancólica fez com que ficasse alerta.

– Pode provar, se quiser. Sabe melhor quando acaba de sair do forno. Sente-se e sirvo-lhe uma fatia. Ao fim e ao cabo, se veio de Nápoles, o mínimo que posso fazer é oferecer-lhe um pouco de hospitalidade inglesa.

Mais uma vez, Ciro ouviu a voz da consciência, mas ignorou-a. Em vez disso, sentou-se numa cadeira de madeira e observou como aquela mulher andava pela cozinha.

– Ainda não me disse como se chama.

– Não mo perguntou.

– Estou a perguntar-lho agora.

– Lily.

Ele percorreu o seu rosto com o olhar e parou na curva dos lábios.

– É um nome bonito.

Ela virou-se para tirar um jarro de leite do frigorífico e odiou que um elogio tão insignificante conseguisse ruborizá-la.

– Muito obrigada.

– Suponho que também tenha um sobrenome. Ou é segredo?

– Muito engraçado... – respondeu-lhe ela. – Lily Scott.

– Scott?

– Sim, Scott, como o famoso explorador inglês.