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Editados por HARLEQUIN IBÉRICA, S.A.

Núñez de Balboa, 56

28001 Madrid

 

© 2009 Sandra Myles

© 2014 Harlequin Ibérica, S.A.

Raffaele, o sedutor, n.º 25 - Janeiro 2014

Título original: Raffaele: Taming His Tempestuous Virgin

Publicado originalmente por Mills & Boon®, Ltd., Londres.

 

Reservados todos os direitos de acordo com a legislação em vigor, incluindo os de reprodução, total ou parcial. Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Books S.A.

Esta é uma obra de ficção. Nomes, carateres, lugares e situações são produto da imaginação do autor ou são utilizados ficticiamente, e qualquer semelhança com pessoas, vivas ou mortas, estabelecimentos de negócios (comerciais), feitos ou situações são pura coincidência.

® Harlequin, Sabrina e logótipo Harlequin são marcas registadas propriedades de Harlequin Enterprises Limited.

® e ™ são marcas registadas por Harlequin Enterprises Limited e suas filiais, utilizadas com licença. As marcas em que aparece ® estão registadas na Oficina Española de Patentes y Marcas e noutros países.

Imagem de portada utilizada com a permissão de Harlequin Enterprises Limited. Todos os direitos estão reservados.

 

I.S.B.N.: 978-84-687-5056-9

Editor responsável: Luis Pugni

 

Conversão ebook: MT Color & Diseño

Capítulo 1

 

Raffaele Orsini orgulhava-se de ser um homem que jamais perdia o controlo. Não havia dúvida alguma de que a sua capacidade de separar os sentimentos da lógica era uma das razões pelas quais tinha chegado tão longe na vida. Rafe era capaz de reparar num banco ou numa empresa qualquer e ver, não o que era, mas no que podia converter-se com tempo, dinheiro e, é óbvio, os conselhos experientes que os seus irmãos e ele podiam proporcionar. Tinham criado a Orsini Brothers apenas há cinco anos, mas já era uma empresa de incrível sucesso ao mais alto nível das finanças internacionais. Além disso, sempre tinham tido muito sucesso com as mulheres bonitas. Os irmãos Orsini partilhavam o atraente físico mediterrânico da sua mãe e o intelecto perspicaz do pai. Ambos tinham emigrado da Sicília para os Estados Unidos há já várias décadas. Ao contrário do pai, tinham aplicado o seu talento e a sua inteligência em negócios dentro da lei, mas todos tinham um certo halo de perigo que os beneficiava tanto na sala de reuniões como no quarto. Assim fora naquele dia, quando Rafe tinha coberto a oferta de um príncipe saudita para a compra de um prestigiado banco francês que os Orsini desejavam há muito tempo. Dante, Falco, Nicolo e ele tinham-no celebrado bebendo um copo há algumas horas. Um dia perfeito, que estava prestes a conduzir a uma noite perfeita... Até que algo a estragou. Rafe saiu do elevador para o átrio do edifício onde vivia a sua amante, ou melhor, a sua ex-amante. Não deixou que o porteiro lhe pedisse um táxi e inspirou o ar fresco do outono ao sair para a rua. Precisava de se acalmar. Talvez o passeio desde Sutton Place até ao apartamento de cobertura que ele possuía na Quinta Avenida o ajudasse a consegui-lo. O que se passava com as mulheres? Como eram capazes de dizer no início de uma relação coisas que sabiam perfeitamente que não sentiam?

– Estou completamente centrada na minha profissão – dissera-lhe Ingrid, com aquele sotaque alemão tão sensual, depois de se deitarem da primeira vez. – Quero que o saibas, Rafe. Não me interessa absolutamente assentar a cabeça, por isso, se tu...

Ele? Assentar a cabeça? Rafe ainda recordava a gargalhada que tinha soltado antes de a colocar novamente debaixo dele. «É a mulher perfeita», pensara, enquanto recomeçava a fazer amor com ela. Bonita. Sensual. Independente... Enganara-se.

O seu telemóvel começou a tocar. Tirou-o do bolso, olhou para o número que aparecia no ecrã e voltou a guardá-lo no casaco. Era Dante. A última coisa que queria naquele momento era falar com um dos seus irmãos. Ainda tinha a imagem muito fresca na mente. Ingrid a abrir a porta. Ingrid, que não estava vestida com algo minúsculo e sofisticado para o jantar que tinham reservado no Per Se, mas que usava... O quê? Um avental? Efetivamente, mas um avental que não se parecia nada com o avental prático que a sua mãe usava, pois estava cheio de rendas, folhos e fitas por toda a parte. Ingrid, que, em vez de cheirar a Chanel, cheirava a frango assado.

– Surpresa! – tinha exclamado. – Esta noite, cozinho eu!

«A sério?», pensara. Ingrid carecia de aptidões domésticas, pelo menos, fora o que lhe dissera. Aparentemente, não naquela noite. Naquela noite, deslizara-lhe os dedos pelo peito enquanto lhe sussurrava:

– Aposto que não imaginavas que eu sabia cozinhar, liebling.

À exceção do «liebling», Rafe já tinha ouvido a frase antes. Uma frase que lhe gelava sempre o sangue. A cena que se desenrolara de seguida fora muito previsível, em especial o facto de ela comentar que tinha chegado o momento de levar a sua relação a um novo nível. Também fora previsível o facto de Rafe lhe perguntar:

– Que relação?

Ainda podia ouvir o som do objeto que lhe atirara à cabeça enquanto saía e que, felizmente, batera contra a porta. O telemóvel voltou a tocar. Várias vezes. Até que, por fim, ele soltou um palavão e voltou a tirá-lo do bolso para o atender.

– O que foi? – resmungou.

– Boa noite também para ti, mano.

– Olha, Dante, não estou com humor para brincadeiras, está bem?

– Sim, claro – replicou alegremente o seu irmão. Silêncio. Então, Dante pigarreou. – Problemas com a valquíria?

– Claro que não.

– Ainda bem, porque não gostaria de ter de te contar isto se ela e tu...

– Contar-me o quê?

Dante suspirou do outro lado da linha telefónica.

– Temos reunião familiar amanhã, às oito da manhã. Além disso, telefonou a mamã, não ele.

– Bolas! Por acaso, está outra vez a morrer? Já lhe disseste que o papá é demasiado ruim para morrer?

– Não – replicou Dante. – Dizes-lho tu?

Naquele momento, foi Rafe quem suspirou. Todos adoravam a sua mãe e as suas irmãs, embora todas elas parecessem conseguir perdoar qualquer coisa a Cesare Orsini. Os filhos não conseguiam. Todos se tinham dado conta há anos do que era o seu pai.

– Bolas! – disse Rafe. – Tem sessenta e cinco anos, não noventa e cinco. Ainda tem muitos anos.

– Olha, tal como tu, não quero voltar a ouvir mais discursos intermináveis sobre onde estão os seus bancos e sobre a combinação do seu cofre, os nomes dos seus advogados, contabilistas e demais, mas achas que poderia dizê-lo à mamã?

Rafe franziu o sobrolho.

– Está bem. Às oito. Encontro-me lá com vocês.

– Só estaremos tu e eu. Nick vai para Londres esta noite, não te lembras? E Falco vai para Atenas amanhã de manhã.

– Fantástico...

Produziu-se um breve silêncio. Então, Dante voltou a tomar a palavra.

– Então, acabaste com a valquíria?

– Bom, disse-me que tinha chegado o momento de repensar a nossa relação.

Dante ofereceu um comentário sucinto que fez com que Rafe desatasse a rir-se. Começou a sentir que o seu estado de espírito melhorava um pouco.

– Eu tenho uma cura para o «repensar» de relações – comentou Dante.

– Sim?

– Tenho um encontro com aquela ruiva dentro de meia hora. Queres que lhe telefone para lhe perguntar se tem uma amiga?

– Durante algum tempo, não vou estar disponível para as mulheres.

– Sim, sim. Já o disseste antes. Bom, se tens a certeza...

– Por outro lado, não se diz que tristezas não pagam dívidas?

Dante pôs-se a rir.

– Telefono-te daqui a dez minutos.

Não foi assim. Dante voltou a telefonar-lhe cinco minutos depois. A ruiva tinha uma amiga que adoraria conhecer Rafe Orsini. «É óbvio!», pensou Rafe com uma certa arrogância enquanto parava um táxi. Que mulher não gostaria?

 

 

Na manhã seguinte, adormeceu, por isso, quando acordou por fim, teve de tomar banho rapidamente, vestir um pulôver preto e umas calças de ganga, calçar umas sapatilhas e, sem se barbear, foi para a casa dos seus pais. Apesar de tudo, chegou antes de Dante. Cesare e Sofia viviam numa casa em Greenwich Village. Cinquenta anos antes, quando Cesare a comprara, a zona fazia parte de Little Italy. Os tempos tinham mudado. As ruas estreitas tinham-se convertido num lugar da moda. Cesare também mudara. Tinha passado de ser um gângster a converter-se primeiro num capo, a cabeça do sindicato, e por último no chefe. Num don, embora no dialeto siciliano o título de respeito tivesse um significado próprio. Cesare era dono de uma empresa de limpezas e de meia dúzia de negócios legítimos, mas a sua verdadeira profissão era uma sobre a qual jamais informaria a sua esposa e os filhos. Rafe subiu os degraus da casa e tocou a campainha. Tinha a chave da casa, mas nunca a utilizava. Há muito tempo que aquela não era a sua casa. Nem sequer a tinha considerado o seu lar durante muitos anos antes de se ir embora. A casa era enorme, em especial para o que costumava encontrar-se em Manhattan. Cesare tinha comprado as duas casas que havia de ambos os lados da sua e tinha unido os três imóveis numa só moradia. Sofia ocupava-se de tudo sem a ajuda de ninguém. Como uma boa dona de casa siciliana, sempre se tinha ocupado de cozinhar e de limpar para a sua família. Rafe suspeitava que assim podia agarrar-se à ficção de que o marido era um simples homem de negócios. Sofia cumprimentou-o como sempre, com um beijo em cada face e um abraço forte, como se há uma eternidade que não o visse, em vez de há apenas duas semanas. Então, deu um passo atrás e olhou para ele com expressão crítica.

– Esta manhã, não te barbeaste.

Rafe não conseguiu evitar ruborizar-se.

– Lamento, mamã. Queria assegurar-me de que chegava aqui a tempo.

– Senta-te – ordenou-lhe ela enquanto o conduzia até à cozinha enorme. – Toma o pequeno-almoço.

A mesa de carvalho estava cheia de taças e pratos. Rafe sabia que dizer à sua mãe que já comera meia toranja e bebera uma chávena de café, o que constituía o seu pequeno-almoço habitual, só lhe reportaria uma conversa sobre nutrição. Portanto, tirou um pouco de cada coisa para um prato. Dante chegou alguns minutos depois. Sofia deu-lhe dois beijos, disse-lhe que tinha de cortar o cabelo e assinalou a mesa.

Mangia – ordenou-lhe. E Dante, que não costumava aceitar ordens de ninguém, obedeceu sem pigarrear.

Os irmãos estavam a beber a segunda chávena de café quando o homem de confiança de Cesare, que estava há anos ao seu serviço, apareceu à porta.

– O vosso pai quer ver-vos.

Os irmãos pousaram os garfos, limparam a boca com um guardanapo e levantaram-se. Felipe abanou a cabeça.

– Não, não juntos. Um de cada vez. Raffaele, tu és o primeiro.

Rafe e Dante olharam-se.

– É a prerrogativa de reis e papas – disse Rafe com um sorriso tenso. Sussurrou as palavras suficientemente baixo para que Sofia, que estava a mexer o conteúdo de uma caçarola, não o ouvisse.

– Diverte-te – disse-lhe Dante.

– Sim, tenho a certeza de que vou divertir-me imenso.

Cesare estava no seu escritório, uma sala escura que parecia ainda mais sombria pela abundância de móveis. Além disso, as paredes estavam cobertas de retratos melancólicos de santos e fotografias emolduradas de parentes da velha Itália. Cortinas bordôs pendiam das portas e janelas que davam para o jardim. Cesare estava sentado atrás da sua secretária de mogno.

– Fecha a porta e espera lá fora – disse a Felipe. Então, indicou ao seu filho que se sentasse. – Raffaele.

– Pai.

– Estás bem?

– Sim, estou bem – respondeu Rafe com frieza. – E tu?

Cesare abanou a mão.

Cosi cosa. Não estou mal.

– Bom, isso é uma surpresa – replicou Rafe. Então, bateu nas coxas com as mãos e levantou-se. – Nesse caso, dado que não estás às portas da morte...

– Senta-te.

Os olhos azuis de Rafe obscureceram.

– Não sou Felipe. Nem a tua esposa. Nem ninguém que aceite as tuas ordens, pai. Há muitos anos que não o faço.

– Assim é. Desde o dia em que acabaste o liceu e me disseste que ias para uma universidade elegante com uma bolsa de estudo e me indicaste o que podia fazer com o dinheiro que tinha guardado para a tua educação – disse Cesare, suavemente. – Por acaso, achavas que me tinha esquecido?

– Enganaste-te na data – respondeu Rafe, ainda com mais frieza. – Não aceito ordens tuas desde que descobri como ganhavas o teu dinheiro.

– Que honrado que és, meu filho! – exclamou Cesare. – Achas que sabes tudo, mas garanto-te que qualquer homem pode passar para o lado obscuro a qualquer momento...

– Não sei do que falas, pai, e, francamente, não me importa. Adeus, pai. Vou chamar Dante.

– Raffaele, senta-te. Isto não me levará muito tempo.

Rafe apertou os dentes. Porque não? Fosse o que fosse que o seu pai tivesse a dizer-lhe naquela ocasião, poderia ser divertido. Sentou-se, esticou as suas pernas compridas e cruzou os braços.

– E então?

Cesare hesitou, o que foi digno de se ver. Rafe não recordava alguma vez ter visto o seu pai a hesitar.

– É verdade que não estou a morrer – disse Cesare, por fim. – O que desejava falar contigo daquela última vez, não to disse... Eu... Não estava preparado para o fazer, embora pensasse que sim.

– Um mistério – disse Rafe. O seu tom de voz indicava claramente que nada do que pudesse dizer-lhe poderia interessar-lhe de algum modo. Cesare ignorou o sarcasmo.

– Como já te disse, não estou a morrer, mas um dia morrerei. Ninguém sabe o momento exato, mas é possível, como sabes, que um homem com a mi... minha profissão possa deparar-se com um fim antecipado.

Outra primeira vez. Cesare jamais tinha reconhecido de modo algum ao que se dedicava.

– Por acaso, estás a tentar dizer-me de uma forma muito pouco subtil que se aproxima alguma coisa? Que a mamã, Anna e Isabella poderiam estar em perigo?

– Vês demasiados filmes, Raffaele. Não. Não se aproxima nada. E, mesmo que fosse assim, o código da nossa gente proíbe atacar os membros da família.

– São a tua gente, não a nossa, pai. Além disso, não me impressiona nada que exista honra entre os chacais.

– Quando chegar a minha hora, deixarei bem a tua mãe, as tuas irmãs, os teus irmãos e a ti. Sou um homem muito rico.

– Não quero o teu dinheiro. E os meus irmãos também não. E todos somos mais do que capazes de cuidar da mamã e das nossas irmãs.

– Muito bem. Nesse caso, deem o dinheiro. Podem fazer com ele o que quiserem.

– Ótimo! – Rafe assentiu, fazendo mais uma vez menção de se levantar da cadeira. – Suponho que esta conversa esteja...

– Senta-te! – ordenou Cesare. Então, acrescentou as únicas palavras que Rafe jamais tinha ouvido da boca do seu pai: – Por favor – o chefe das famílias de Nova Iorque inclinou-se sobre a secretária e dirigiu-se ao seu filho. – Não me envergonho do modo como vivi – disse suavemente, – mas admito que, por vezes, fiz coisas que não deveria ter feito. Acreditas em Deus, Raffaele? Não te incomodes em responder. Eu não tenho a certeza, mas só um tolo ignoraria a possibilidade de que os atos da sua vida possam afetar algum dia a disposição da sua alma.

– É demasiado tarde para te preocupares com isso.

– Há coisas que fiz na minha juventude que... foram erradas – admitiu Cesare. – Não as fiz pelo bem da famiglia, mas por mim. Foram atos egoístas que me mancharam.

– E o que tem isso a ver comigo?

– Estou a pedir-te que me ajudes a emendá-los.

Rafe esteve prestes a soltar uma gargalhada. De todos os pedidos mais estranhos, jamais teria imaginado...

– Numa ocasião, roubei algo de grande valor a um homem que me ajudou quando mais ninguém queria fazê-lo – acrescentou Cesare. – Quero emendá-lo.

– Pois, envia-lhe um cheque – replicou Rafe, com crueldade deliberada. O que tinha ele a ver com tudo aquilo? A alma do seu pai eram os negócios.

– Não é suficiente.

– Que seja um cheque chorudo. Ou, que raios, faz-lhe uma oferta que não possa rejeitar! – indicou Rafe. – Isso é próprio de ti, não é? És o homem que pode comprar ou conseguir qualquer coisa com intimidação.

– Raffaele, como homem, como o teu pai, estou a pedir-te a tua ajuda.

A súplica era surpreendente. Rafe desprezava o seu pai por ser quem era, mas... Não conseguiu evitar outras lembranças, como a de Cesare a empurrar-lhe o baloiço num parque. Cesare a acalmá-lo quando o palhaço que contrataram para o seu quarto aniversário lhe pregou um susto de morte... Os olhos do seu pai refletiam uma culpa dolorosa. O que lhe custaria entregar um cheque em mão ou oferecer um pedido de desculpas que devia? Gostando ou não, Cesare dera a vida aos seus irmãos e a ele. À maneira dele, amara-os a todos e tinha cuidado deles. Inclusive, tinha-os convertido no que eram, embora não diretamente. Se, embora um pouco tarde, tinha um pouco de consciência, não era algo digno de se aplaudir?

– Raffaele?

– Sim. Está bem – disse rapidamente, para não poder mudar de ideias. – O que queres que faça?

– Tenho a tua palavra de que farás o que te pedir?

– Sim.

– Garanto-te que não te arrependerás.

Dez minutos mais tarde, depois de uma longa, complexa e algo incompleta história, Rafe levantou-se de um salto.

– Estás louco? – gritou.

– É um pedido muito simples, Raffaele.

– Simples? – repetiu ele, com uma gargalhada. – Que bela maneira de descrever o facto de que me tenhas pedido que vá para uma aldeia da Sicília para me casar com uma... uma... Uma campónia sem nome e sem educação!

– Claro que tem nome. Chama-se Chiara. Chiara Cordiano. E não é uma campónia. O seu pai, Freddo Cordiano, é dono de um vinhedo. Também tem oliveiras. É um homem muito importante em San Giuseppe.

Rafe inclinou-se sobre a secretária do seu pai e bateu com as mãos contra a superfície polida de mogno. Então, desafiou-o com o olhar.

– Não vou casar-me com essa rapariga. Não vou casar-me com ninguém. Está claro?

O seu pai olhou para ele com tranquilidade.

– O que me ficou muito claro é o valor da palavra do meu primogénito.

Rafe agarrou o seu pai pela camisa e fê-lo levantar-se.

– Tem cuidado com o que me dizes! – gritou.

– Que temperamento tão apaixonado que tens, meu filho! Por muito que queiras negá-lo, é evidente que o sangue dos Orsini te corre pelas veias.

Lentamente, Rafe largou a camisa do seu pai. Então, respirou fundo para se acalmar.

– Eu cumpro a minha palavra, pai, mas tu obrigaste-me a fazer-te uma promessa com uma mentira. Disseste-me que necessitavas da minha ajuda.

– E assim é. Tu disseste que me ajudarias. Agora, dizes que não vais fazê-lo. Qual dos dois mentiu?

Rafe deu um passo atrás. Contou em silêncio até dez. Duas vezes. Por fim, assentiu.

– Dei-te a minha palavra, por isso, irei à Sicília e reunir-me-ei com esse tal Freddo Cordiano. Dir-lhe-ei que lamentas o que lhe fizesse há muitos anos, mas que não me casarei com a sua filha. Está claro?

Cesare encolheu os ombros.

– Como queiras, Raffaele. Não posso obrigar-te a mais.

– Não – afirmou Rafe. – Efetivamente, não podes.

Abandonou o escritório utilizando as portas que davam para o jardim. Não desejava ver a sua mãe, nem Dante. Casar-se? Nem pensar e muito menos porque alguém lho ordenasse, e menos ainda para agradar ao seu pai! E muito menos ainda com uma mulher nascida e criada num lugar esquecido até pelo tempo. Rafe podia ser muitas coisas, mas não era louco.

 

 

A mais de seis mil quilómetros dali, na fortaleza rochosa que o seu pai considerava o seu lar e o qual ela considerava mais uma prisão, Chiara Cordiano levantou-se com incredulidade.

– Fizeste o quê? – perguntou em perfeito italiano da zona de Florença. – Fizeste o quê?

Freddo Cordiano cruzou os braços.

– Quando te dirigires a mim, fá-lo no dialeto da nossa gente.

– Responde à pergunta, papá – disse Chiara, no dialeto pouco refinado que o seu pai preferia.

– Disse que te arranjei um marido.

– Isso é uma loucura! Não podes casar-me com um homem que nunca vi.

– Esqueces-te de uma coisa. Isso é o que tiraste de todas aquelas ideias estúpidas que as tutoras que a tua mãe se empenhou em que eu contratasse te meteram na cabeça. Sou o teu pai. Posso casar-te com quem eu quiser.

– Com o filho de um dos teus amigos? Com um gângster dos Estados Unidos? Não. Nem pensar! Não podes obrigar-me.

– Preferias que te trancasse no teu quarto e que te mantivesse lá até que ficasses tão velha e feia que nenhum homem te desejasse?

Chiara sabia que o seu pai não realizaria aquela ameaça, mas que a manteria prisioneira naquela povoação horrível, naquelas ruas estreitas e antigas onde tinha passado a maior parte dos seus vinte e quatro anos, desejando escapar dali. Já tinha tentado ir-se embora, mas os homens do seu pai, cortês, mas irremediavelmente, devolviam-na sempre a casa. Voltariam a fazê-lo. Ela nunca se veria livre da vida que odiava. E o seu pai nunca permitiria que se casasse. Ela era uma moeda de troca, uma maneira de poder expandir ou de assegurar o império. Casamento. Chiara conteve um calafrio. Sabia como seria. Como os homens como o seu pai tratavam as mulheres. Como ele tinha tratado a sua mãe. Embora proviesse dos Estados Unidos, aquele homem não seria diferente. Seria frio. Cruel. Cheiraria a álcool, a tabaco e a suor. Ela não seria mais do que uma escrava e à noite pedir-lhe-ia coisas na cama... Os olhos violetas de Chiara encheram-se de lágrimas de raiva.

– Porque me fazes isto?

– Porque sei o que é melhor para ti.

Que ironia! O seu pai jamais pensava nela. Aquele casamento beneficiava-o exclusivamente a ele, mas não teria lugar. Ela estava desesperada, mas não louca.

– E então? Já recuperaste o bom senso? Estás disposta a cumprir o teu dever como filha e a fazer o que te peço?

– Preferia morrer – disse.

Embora o que queria fosse sair a correr, obrigou-se a sair lenta e dignamente. No entanto, quando chegou à segurança do seu quarto, trancou a porta e, depois de lançar um grito de raiva, agarrou numa jarra e atirou-a contra a parede.

Vinte minutos mais tarde, já mais calma, lavou a cara e foi procurar o único homem que amava. O homem que a amava. O único a quem podia recorrer.

Bella mia – disse Enzo, quando o encontrou, – o que se passa?

Chiara contou-lhe tudo. Os olhos escuros dele obscureceram ainda mais.

– Eu salvo-te, cara – prometeu.

Chiara atirou-se nos seus braços e rezou por que assim fosse.